O conhecimento e suas formas


 


O CONHECIMENTO 

EM SUAS VARIADAS FORMAS

 Ricardo da Silva Vieira*


Sem título -  D'Souza



O pensar humano nasce de um espanto diante do desconhecido. Perplexo, o homem contempla uma realidade estranha e, muitas vezes, hostil. Observa sem entender o que se passa diante de seus olhos, causando-lhe um misto de desconforto intelectual e angústia existencial, pois não compreende o que vê. O recurso é forjar estratégias explicativas que lhe permitam, por assim dizer, transitar de uma forma menos desconfortável pela estrada de sua existência, concebendo o que está à sua volta não mais como estranho e ameaçador, mas como familiar e acolhedor. 






Sem título - Alice Mara Côrtes


Para tanto, o homem se serve de uma linguagem elaborada, ou seja, uma linguagem articulada por abstraçõescujo propósito consiste em imprimir no intelecto uma forma peculiar de representar a realidade. Tal forma de representação concerne à cultura, que implica uma segunda natureza, isto é, um tipo singularmente humano de interação com o mundo. 

Pela cultura, fruto de uma linguagem simbólica, o homem deixa de ser mero produto da natureza (imanência) para tornar-se seu retificador (transcendência). Assim, o homem é um ser dual, ou seja, um ser que participa de duas naturezas: a imanência e a transcendência. A primeira faz dele um animal comum que cumpre suas necessidades vitais (alimentar, dormir, reproduzir, etc), próprias dos indivíduos de sua espécie; a segunda, no entanto, faz dele um ser singular que não mais se submete ao mundo dado, e sim tende a modificá-lo, conferindo a ele uma feição humana à medida que se apossa de suas manifestações caóticas e as torna inteligíveis, fazendo do caos um cosmos.




Sodoma e Gomorra - José Heitor
Acervo do artista
Em exposição na Casa da Cultura


A relação inteligível
 que o homem estabelece com o mundo 
ocorre de diversas maneiras, podendo ser por meio do pensamento
 míticoreligiosoartísticofilosófico ou científico.


  Qualquer um desses meios permite ao homem contemplar a natureza com menos medo e mais segurança, considerando que cada um deles dispõe de recursos próprios para o enfrentamento das diversidades naturais. (...)


O pensamento artístico tem preocupação com a forma, isto é, com a disposição estética da realidadee não propriamente com o seu conteúdo. Daí o artista não se orienta pelo que as coisas são
 e sim pelo que poderiam ser.



Energização
Acervo de José Heitor
Foto: Luiz Miguel



Arte é criação
ficando o artista na condição de um demiurgo, 
único responsável pela confecção do mundo expresso
Na arte, o fatual não é negado, 
mas subordina-se ao desejo (interesse) do artista.


O mundo objetivo não é ficção, o homem é fruto dele
 e nele está irremediavelmente inserido.



Atelier Feito por Nós


Paradoxalmente, ao tentar conhecê-lo, o homem se contrapõe a ele, modelando-o a partir de suas crenças e convicções, as quais não são forjadas gratuitamente, mas pela sua relação com o próprio mundo que manipula e tenta desvelar.

Com efeito, como um desafio, o mundo está sempre diante do homem, o qual faz dele seu
objeto de estudo.





_____________________________________________________________
Siga-nos no instagram:

 @bastosrt



*Ricardo da Silva Vieira
Professor de Filosofia (E. E. São José e E. M. Professor Lafayette Côrtes)
Mestre em Educação (UCP)
Mestre em Filosofia (UFRJ)

Comentários

  1. Ricardo,
    Entendo que o seu texto é a contribuição de alguém consciente do "espírito do tempo presente ", no sentido de que "O Conhecimento Em suas Variadas Formas" é um convite para mergulhar nas profundidades de um tempo em que impera a aceleração, a exteriorização, a superficialidade, a falta de enraizamento...
    Um tempo em que sobra angústia e "alarga" o vazio, mas reconhecendo que tudo isso é parte do processo desta época.
    Paul Claudel diz que "O homem conhece o mundo, não pelo que dele subtrai, mas pelo que a ele acrescenta de si mesmo. "
    Ao citar Claudel, Edgar Morin observa que "O verdadeiro conhecimento dialetiza sem cessar a relação observador-observado, ‘subtraindo’ e ‘acrescentando’.”
    Precisamos estar atentos para forjarmos saídas.
    Vemos grandes valores transcendentes sendo gastos e esmagados pela correria desenfreada.
    Em busca de interiorização, autoencontro e solidez, a subjetividade é nossa âncora, mas é também o que nos torna individualizados mais e mais.
    Ainda bem que podemos participar (como seres de dualidade) das naturezas: imanência e transcendência. Como daríamos conta do caos que se instala por toda parte e nas mais diversas áreas da vida?
    Ai de mim, se pela fé eu não pudesse transcender!
    Ricardo, quero, do meu lugar de limitado conhecimento e fala, saber: consegui entender o seu texto?
    Obrigada!
    Penha Bernardo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, amiga. Você conseguiu apreender a ideia central do que eu quis passar. O texto é, grosso modo, um contraponto ao realismo ingênuo, que ainda acredita no chamado tribunal dos fatos, ou seja, na tese de que contra os fatos não existe argumento. O que existe, a meu ver, é a relação do sujeito doando sentindo ao objeto e este se doando como sentido ao sujeito. Agradeço-lhe pela sua tão pertinente apreciação. Abraço fraterno!

      Excluir

Postar um comentário

Qualquer parte deste blog pode ser compartilhada, desde que citada a fonte:
entrefotoseletras.blogspot.com

Postagens mais visitadas deste blog

Maria da Bolsa

Luiz Heleno

Vera e Tânia